terça-feira, maio 09, 2006

O Segredo Raptado


Voltei para trás. Virei as costas garridas verde alface para o sol e subi a rua de pedra até lá acima, bem acima no monte das folhas caídas.
Encontrei duas folhas separadas por uma cortina cor de mar. Agachei-me de cócoras, arregacei as calças até aos joelhos e deixei-me pousar sobre a cortina. A cortina era macia, fazendo-me lembrar com saudade dos meus dias de Verão na areia da Praia Verde.
Senti qualquer coisa de estranho quando olhei para as duas folhas. Tinha a sensação que quando olhava para a folha encarnada do meu olho esquerdo, a folha do meu olho direito enrugava-se e entrelaçava a minha perna. Mas quando punha os olhos na perna, a folha feijão do meu olho direito estava intacta, quieta no seu canto ao lado da cortina cor de mar.
E isto não ficava por aqui, pois quando olhava para a folha feijão do meu olho direito, sentia a folha encarnada a abraçar-me o pescoço, que já transpirava.
Percebi que estava com um problema de lógica com os meus olhos: não consigo trocar os meus olhos a tempo de ver ao mesmo tempo o comportamento de vida das folhas. E não queria pensar na tentação de agarrar uma das folhas, guardá-la e olhar para a outra. Assim era batota e podia acontecer qualquer coisa má e com consequências graves. E não queria enganar as folhas.
E se elas ali estivessem, separadas por uma cortina, por algum sentimento escondido, por alguma alma perturbada?
Estava a ficar escuro e as folhas mal se viam. Dei um olhar pisca de olho às duas folhas, levantei-me, arregacei as calças até ao calcanhar, estendi a cortina cor de mar e fui embora.
Hoje vou sonhar com elas, com as folhas. Talvez consiga olhar para elas e contar o meu segredo.


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