segunda-feira, março 13, 2006

O Cordel da Oliveira


Não estou habituado , mas ainda consigo pedalar sem mãos no volante da bicicleta. No volante, não. No guiador, que está ligado à forqueta do espigão da bicicleta. Apesar de não perceber nada de mecânica, gosto das palavras que se referem às peças das bicicletas.
Com os braços amarrados em equilíbrio perfeito, lá vou eu, a pedalar na estrada de terra batida com alguns buracos maiores que poças de jogo de berlinde.

"Que é isto?! Que é isto?", falei para comigo de coração ao alto. Nem tudo é ar puro e ramo verde a andar pelos campos da lezíria. Um cãozote destemido de meio palmo de altura quer assustar-me com um regabofe de latidos ao som da bicicleta. O primeiro impulso é ter medo, e é com o medo que vem o pontapé no focinho.
O raro é ignorar o medo. E consegui fazê-lo, a cheirar o vento dos pinheiros e eucaliptos à minha volta. Olhava para ele, a rir do meio palmo de altura do cãozote. Ia morder o quê? A unha do pedal?

Sempre a ladrar o soluço do ladrar, o cãozote desiste de alcançar a roda traseira da bicicleta. Como se costuma dizer, cão que ladra não morde. O que vale é que o costume tinha meio palmo de altura. Olho para trás e percebo o porquê da desistência. Estava a guardar o caminho da vinha. E a vinha tinha chegado ao fim. Não sei de quem é, mas deve ser de quem lhe dá de comer. Secalhar o dono também deve ser baixo de palmos de altura. Tal cão, tal dono.

Chego a um cruzamento. Travo a fundo, desmonto do selim da bicicleta e fico a olhar como um ponteiro de relógio a imaginar o melhor caminho. Ir em frente foi a decisão.

O caminho começa a encurtar, só aparecendo erva daninha nas bermas e no meio do caminho, indicando que só passavam tractores e alfaias agrícolas. Mas não passavam há muito tempo. Parecia que o caminho estava esquecido. Passadas algumas ramadas de erva, chego a um precipício de oliveiras. Uma vista surpreendente!

Oliveiras no topo a segurar o vento e os pinhais lá ao fundo, a esconder o Tejo. Deixei-me estar ali um pouco a descansar, como se fosse uma árvore a respirar a terra.
Ao vir embora da paisagem de contemplação, apercebo-me de um cordel bem grosso, a dar um nó num ramo de oliveira. Fico assustado.
Para estar ali uma corda, alguém ou o quê executou um julgamento de uma vida. E a oliveira amarrada era um castigo. Um símbolo de vergonha.
Era a única oliveira que estava sozinha, que não tinha companhia. Nenhum pássaro vivia, dançava ou cantava nos seus galhos. Nem olhavam para ela, tal era a vergonha.
Foram todos testemunhas de um julgamento. Um julgamento atroz. E era a vergonha do orgulho que dava vida ao cordel, a enforcar os ramos da oliveira.

Comments:
Sente-se o que escreves, Quixote.
Gostei muito deste "Cordel", aperta-nos.

Abraço
 
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