quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Escrita do Sonho


Deito-me sempre de barriga para cima. Eu gosto mais de dizer de umbigo para cima, para receber a luz das estrelas.
Não me lembro de ter adormecido. Sei que encostei o livro debaixo do candeeiro, apaguei a luz e fechei os olhos. E começa o medo do escuro. É sempre a mesma coisa, sempre a mesma rotina todas as noites. Tenho medo de não adormecer e começar a sentir o escuro da luz. E com o escuro chegam barulhos estranhos, vozes, sombras. E quanto mais ouço, mais escuro fica.
Mas como qualquer rotina, há quebras, falhas. E ontem aconteceu uma quebra na rotina, pois comecei logo a sonhar, a viver o sonho.

- Porque é que estás a escrever essa palavra, esse tempo verbal? Não tem qualquer significado aí. Se queres falar de amor, não podes escrever "pensar". Pensa lá bem...

É a primeira frase do diálogo. Eu para ela. Eu sentado num quadrado vermelho e ela em pé, com giz branco na mão, a apontar para o quadro negro, para as suas frases escritas. Eram frases que pertenciam a uma história de amor e cada um escrevia uma frase de cada vez. E todas as frases juntas, escritas e lidas, faziam nascer uma história de amor.

- Tu é que estás a querer pôr o "significado" pensar na frase, não sou eu... Porque é que as coisas do amor têm de ter lógica?

Quando ela fala assim, fico com um sorriso meio aparvalhado, corado desde a ponta dos pés até à ponta dos cabelos.

- Eu não estou a dizer isso...olha, anda lá mas é comer aqui uma peça de fruta. Que é que temos hoje? Ora bem, morangos, cerejas, um kiwi e uma banana.
- Não sei o que é que hei-de comer... Come tu. Não te esqueças de lavar primeiro. Vou escrever mais.
- E deixas-me aqui sozinho com isto tudo?
- Não estás sozinho. Não vou escrever. Vou pintar. Fecha os olhos e come os frutos. Fecha mesmo!
- Pronto, pronto, está bem.

Vejo cores amareladas e ouço barulhos de xilofone misturados com aquelas melodias de encantamento que os tocadores de flauta tocam para as cobras.

- Já podes abrir os olhos. Mas tens de prometer que não vais rir.
- Claro que prometo. Sabes bem que quando dizes isso eu não consigo rir...

E abro os olhos. O quadro negro deixou de ser negro. Todas as frases estão escritas em pétalas de girassol. Cada pétala é uma cor. Uma cor que muda com a lua.

- Fogo... Pintaste isso?
- Sim... Não gostas? Agora tens de escolher a lua que mais gostas.
- Deixa-me ler todas as pétalas...!
- Não! Assim não tem piada. Tem de ser sentido. Escolhe a lua que gostas, que gostavas que fosse tua e lês a frase.

Levanto-me e vou de rompante à pétala da Lua Cheia. Pétala azul céu sem nuvens. E começo a ler com ansiedade, com o coração a palpitar.

"Quando toco nos teus olhos, sinto os teus lábios a sorrir um beijo."

Acordei. Acordei a sorrir no escuro.



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