terça-feira, janeiro 10, 2006

A Vida do Orvalho

É sempre assim, todos os dias à mesma hora. Desço as escadas com eles, atrás deles à minha frente, e sempre de passo, um a seguir ao outro. Quando chego aos degraus rolantes, a lagarta de ferro, é preciso ter cuidado, para não pisar os outros. É como as formigas num dia de labuta a chegar ao formigueiro. Acotovelam-se todas com as antenas, mas nenhuma faz um buraco maior ao lado do formigueiro. Faz falta uma porta de emergência para formigas como estas.

Quando vejo o reboliço, fico para trás. Às vezes para contemplar os passos perdidos ou para rir com as vozes que gritam. São autênticas marionetas. Mas esta marioneta ao meu ouvido conheço. Lembro.

- Não acredito! Que é que estás aqui a fazer?

Eu é que não acreditava. Tantos anos passados a vê-lo perdido, sem olhar, sem me conhecer. Tantos anos que eu fui cobarde do meu amigo. E ele à minha frente, a apertar-me a mão. E que saudades que eu tinha deste aperto, deste abraço.

- Nharro! Olha para isto! Estás bem? Estás fixe? Epá... que surpresa... nem sei o que te dizer!

- Não digas nada. Não é preciso dizer nada. Olha para mim e dá-me um abraço.

E dei o abraço. Agarrei-o, com força. Ele está aqui. Comigo. Vivo. Como uma gota de orvalho. Frágil. Mas vivo.  

 


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