segunda-feira, janeiro 30, 2006

Beijo Branco


Estava agitado. Não sei se era pesadelo ou sonho, mas sentia os olhos a arder. Devia estar a sonhar, pois acordei enleado em lágrimas. Lágrimas de memória, de memória da paixão.
Meio a cambalear, cabelos espetados e lábios gretados, passeio pela casa, pelo escuro dentro do dia que tinha acabado de nascer. Consigo ver a luz a querer entrar, mas ainda era cedo demais para ver o dia, para saudar o meu dia de memória.

Olho-me ao espelho e vejo-me olhos nos olhos. Nem queria acreditar no passado da minha pele, da minha cara. As lágrimas secaram, ficaram entranhadas nas minhas rugas, na minha pele, no meu toque. Cai uma última lágrima, uma lágrima orfã, que deixo escorrer, descer até à ponta do queixo. Fico à espera que ela morra, que ela caia no vazio. Mas ela é teimosa, orgulhosa, continua viva agarrada a mim, agarrada ao meu toque, à minha memória.

Estou cansado de esperar. Vagueio para a janela virada para a encosta e ouço o vento a cair. Parecia chuva de granizo. Chuva branca, pensei eu.
Abro o trinco das portadas e sinto o vento na cara. Um vento gelado. Um vento branco. Um vento que nunca tinha visto, que nunca tinha sentido sem ser nos sonhos.
Sinto o coração a bater depressa, com força. Queria sair, porque algo estava a acontecer. Como nos sonhos. Mas eu não estava a sonhar, porque sentia a lágrima viva, não tinha morrido, não tinha caído.

Vou para rua, para a terra. A terra preta, sem vida, nasceu branca. Um manto branco. Levo a mão à terra e sinto o gelo. O gelo da neve. Sinto o gelo da neve com toda a minha força, com todo o meu abraço de paixão, de memória de paixão.
Estou a sonhar. Que sou um anjo. Um anjo branco que voa no vento, que chora lágrimas brancas.
Olho para o céu. E sinto a lágrima a cair, a libertar-se de mim, a morrer em mim. Para beijar a neve.
Para beijar o branco. Um beijo branco.


Comments:
uma lágrima quentinha e doce...
 
Lágrimas senti eu, pois não pude disfrutar esse nascer branco no meu local de origem...
 
Bonito!
 
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