segunda-feira, dezembro 12, 2005

A Escolha do Camaleão

Era até doer, quase a rasgar as pernas. As redes esticadas, com corda de bambu, presas nos troncos de resina dos pinheiros.

Primeiro, sentava-se o Cal. Era mesmo o nome dele, do meu amigo inglês, de pele branquinha como a cal. Mas era cal com pintas. Sardas alaranjadas com o sol que ficava em cima da caruma verde dos pinheiros e sardas castanhas, cor de ferrugem, com o sol cortado às fatias pela sombra dos pinheiros.

Para ele era mais simples. Sardas laranja antes de almoço e sardas castanhas antes de jantar. Prático. Mas não deixavam de ser sardas.

Eu era o segundo. O último. Quer dizer, o penúltimo. O camaleão também aparecia nos nossos ombros mas não vinha pelo chão.

Ficávamos horas a ler os quadradinhos das tiras de banda desenhada e carregávamos, com força da gravidade, a rede até tocar no chão. Aí é que doía mais.

Depois dávamos um salto e olhávamos para as pernas um do outro. As minhas pernas eram mais gordas, por isso ficava bem decalcado a teia da rede na minha pele morena, já mais que tostada. As pernas do Cal ficavam com fios roxos escuro, como uma grelha de pimentos assados.

Deitávamos as barrigas na terra vermelha, tapávamos as pernas com pinhas bravas e esperávamos.

A chegada do camaleão era silenciosa. Só podíamos mexer os olhos. Ele aproximava-se, de manso compasso, e esgueirava-se pelas pinhas. E subia, subia até chegar à nossa encruzilhada. Tinha de escolher. Ou uma cabeça de cabelos pretos ou a cabeça de cabelos louros. E todos os dias ele fazia o mesmo. Abraçava a cauda de cor morena na minha orelha e prendia a língua de cal às pintas na orelha do Cal. Levantávamos as pernas devagar para equilibrar e lá íamos nós, escada madeira abaixo até ao mar. Sempre com o camaleão moreno de cal pintada.


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