quinta-feira, novembro 03, 2005
A Fundação
- Isto que eu estou aqui a ver, esta folha quadriculada, faz-me lembrar quando eu trabalhava na Fundação.
Fundição, pensei. Imaginava a chefe de serviço no meio das brasas a martelar o ferro na raiva da bigorna.
- Já não é desse tempo. Foi na altura das greves. Até nós fazíamos greve.
O que é que uma greve faz lembrar uma folha? Tenho de estar atento que vem aí loucura. Pura loucura.
- A Fundação era um sítio único. Era o único sítio que lucrava, mesmo com todos a fazerem greve. Como muitos negócios, a contrapartida do salário dos trabalhadores é compensada com a força de produção.
Força de Produção. Desta não estava à espera.
- Sem trabalho, não há produção. E o negócio parava. Na Fundação, por incrível que pareça, era o contrário. Quando entrávamos em greve, a Fundação arrecadava doações incalculáveis. Nem imagina. E nós só tinhamos de gerir as doações.
E aí começou às gargalhadas.
- Está a ver esta folha?
Outra vez?
- Aquela secretária era uma excelente profissional. Zelosa pela sua função e garantia em pleno o exercício das suas funções. E só confiava nas suas capacidades. Mesmo quando tirava vinte fotocópias, lia as vinte folhas do princípio ao fim. Para detectar eventuais erros. Não confiava em máquinas.
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