quinta-feira, novembro 17, 2005

A Carta

Irritação. Tremura. Tremura de ternura escondida. Uli Gontar marca a folha com o dedo grosso de anel enfiado para não borrar. Abre a segunda gaveta da secretária e revolve a argamassa de papéis à procura de outra pena. Outra pena, a terceira desde que começou a escrever a carta à pessoa que não diz bom dia ao acordar, que não diz boa noite ao deitar.

Escrever uma carta nunca foi difícil para Uli, aliás, escrever uma carta era quase um vício de passatempo do seu tempo. Quando escrevia cartas, não se distraía com ruídos de objectos. Os ruídos das vozes dos outros e os anfitriões dos ruídos, os objectos. Uli era só no mundo. Só de existência. Sabia e assumia prontamente essa realidade. Não por se sentir só de pensamento leviano, mas por ter sempre a sua caixa de correio cheia de pó.

Encontra a pena da gaveta e continua a escrita da carta. Da sua carta.

Dois dias é a conta da demora da chegada do carteiro ao pó da caixa de correio. Uli Gontar sossegou. Viu mais penas a sair da gaveta. E tempo é coisa que não lhe falta.

 


Comments:
Uli Gantor está a escrever a quem?
Seria a Uli Gantor, a pessoa que não diz bom dia ao acordar e não diz boa noite ao deitar?
 
Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?