quinta-feira, julho 28, 2005

Ilusões

Uma sala com cerca de 20 a 22 metros quadrados. Quase quadrada e sem recantos, bem delineada geometricamente com 4 ângulos rectos. As paredes estão nuas, mas pintadas de uma cor fresca, caracterizada por tons leves e lisos.

No meio da dita sala, jaz um sofá, sendo o centro geodésico do espaço. Pode-se mesmo dizer que é o trono central da personagem que está sentada com a perna traçada.

Horácio Muntz ouve serenamente, com as pálpebras semi-cerradas (pormenor importante: os dois polegares tocam levemente nos dedos indicadores) uma sinfonia bem regada de sons diversos, desde instrumentos de sopro, de corda e de percurssão. Uma sinfonia harmoniosa, possuindo toda a simetria de sons, perfeitamente conjugada. A acústica é matematicamente exacta, deixando Horácio num estado meio sonolento, mas bastante atento à mais aguda nota do trompete e à mais grave nota do contrabaixo.

Subitamente, a sinfonia é interrompida por um som completamente artificial e fora do contexto acústico. Horácio acorda e vira o olhar para o majestoso prato de vinyl REGA P5. Ao primeiro relance de vista, não detecta nenhuma anomalia.

Novamente o mesmo som. A dura realidade está de volta. Era o som meio quebradiço da campainha da porta de casa.

É estranho, pois Horácio não se lembra de estar à espera de alguém. Calmamente, vai andando até à porta, com alguma interrogação. Abre a porta e não vê ninguém. Olha pelo vão das escadas e nada. Resignado, volta-se para fechar a porta e subitamente ouve um som familiar. Acordes de contrabaixo.

- Estranho, eu desliguei o motor do prato.

O som aproxima-se cada vez mais e mais, até se tornar quase inaudível. Horácio fecha os olhos e tapa os ouvidos. Um som insuportável. Fecha a porta a correr e senta-se no sofá. Dentro da sala não há som algum. Desconfiado, olha para o P5. Algo não batia certo. Um disco de 180 gramas vermelho escarlate rodava em 33 rotações.

Horácio estava assustado. Nunca tinha visto um disco vermelho. Muito nervoso, decide desligar o P5, mas a ordem não é obedecida, sentindo uma força magnética a puxá-lo violentamente. Não tinha forças. Não olhava por medo. E deixou-se ir. Que delírio está para vir!

Uma das colunas REGA JURA absorve-o, espalhando o Horácio pelo infinito dos cabos QED XTUBE. Horácio abre os olhos e encontra-se no abismo. No abismo de sons que adora. E relaxa, descontrai. Deixa-se levar.

Do amplificador AUDIOLAB até ao P5 foi um salto vertiginoso. Começa a sentir a sua pequenez de tamanho e observa uma luz ao fundo. Uma luz muito intensa. Tão intensa, que lhe adormece os sentidos. E chegou.

A poderosa agulha DYNAVECTOR realizou a operação de destilação e passagem ao estado sólido do Horácio. E ele está em 33 rotações, com os instrumentos à sua volta. Um disco formidável de Ray Brown fá-lo vibrar, correr e saltar por cima da armadura metálica do braço REGA 700.

Todos os sentidos estão apurados. É a fina flor do Jazz na sua sublime elegância.

O som expande-se. Tem de sair da sala, indo para a rua contagiar montes e vales. Montes divinos que se elevam nas alturas. Até chegar ao cume mais alto.

 


Comments:
Lindo!
 
Não sei se é o melhor, também gostei dos contos de Maio.
Já estou a ouvir Jazzanova, o mais parecido que tenho em MP3 (uma grande lacuna) nesta sala com 21 m2 (é pequena mas tem uma janela enorme com montalhas verdes e céu azul ao longe).
 
E o resto? Ainda aparecerá hoje?
 
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