quinta-feira, maio 05, 2005

Escadas Rolantes

As pernas de Agostinho Busca já estavam gastas, como as solas dos seus sapatos pretos ao pisarem os degraus de pedra da eterna escadaria da Calçada do Monte. Enquanto escalava os degraus, lembrava as corridas que fazia com o Diogo Fresco e o Zé Palma. Os três subiam a escadaria a ziguezaguear toda a gente e era sempre o Agostinho que chegava primeiro. Pisava o último degrau, pegava na fisga, voltava-se para trás e tentava acertar o Diogo e o Zé. Era este o prémio da corrida.

 

Agostinho já estava velho de idade. Sentia-se cansado de ver as mesmas gentes a passarem por ele, sempre com toda a pressa do mundo para chegar ao destino. Quando chegava ao fim da calçada, sentava-se no banco da esquina e enrolava um cigarro. E fumava.

Cada trago de fumo que inalava, as pálpebras magriças despertavam os olhos lunares à procura de vista. A procura acabava por ser fugaz, pois a vista revelava rostos inertes.

 

No dia seguinte, quando se depara com a Calçada, apercebe-se da inauguração de uma escada paralela à que sempre existiu. Uma escada rolante. Degraus de ferro nasciam da terra e transportavam uma cordilheira de gente impaciente pela chegada. Agostinho Busca vibrou. Avançou amedrontado pelas pernas medrosas, de olhos fixos nos degraus em movimento constante. Mal teve tempo para cansar, pois já tinha chegado lá acima. Quando ia enrolar o seu cigarro, o banco estava ocupado. Um rosto moribundo, velho e cansado olhava sem fim. Agostinho estava incrédulo. Algo estava diferente. Todos quanto via em seu redor estavam velhos. Velhos de vida.

 

Desceu pelos degraus de ferro sem olhar para trás, pois não queria tornar a ver aquela visão aterradora. Quando olha para a escadaria de pedra, repara que está sozinha, sem passos. Larga a escada rolante apinhada de gente e começa a subir o saudoso calvário de pedra, ansioso pelo que estava a prever no seu imaginário. E chegou. E ri-se. Gargalhadas compassadas cada vez mais intensas chamam o olhar dos putos.  E Agostinho Busca apalpa o bolso das calças à procura da sua fisga, com o Diogo e o Zé à espreita atrás da esquina.


Comments:
Também gostei muito deste. Fez-me lembrar, o que para mim é um mundo imaginário, da América Latina, os romances do Garcia Marques, do Luís Sepulveda ou da Isabel Allende. O “amor em tempos de cólera” foi um dos romances mais marcantes que já li, é sempre tempo de amar, viver, desafiar...
 
Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?