terça-feira, agosto 30, 2005

Estação Nocturna

A estação que vive na hora nocturna é sinistra. Sem vozes, sem diálogos, sem olhares, sem barulhos de movimento, sem passos moribundos. Corpos sentados, alguns deitados, outros dormitando sem ressono e outros brincando com a inconsciência dos músculos cansados. Em vez da mente, os músculos sonham.

Cabeças que esquecem a obediência do pescoço e pendem para o abismo. O abismo é como um íman desconhecido. Não se vê nem se conhece, não é apresentado nem domesticado. É sabido por existir algures na távola redonda da penumbra do centro das coisas. É aí que permanece escondido, que se alimenta, que se organiza, que fala em modos de verbo obreiro amaldiçoado. Nunca dorme, só descansa com as tempestades do Norte.

Hoje são duas. Ontem foram quarenta almas que pendiam para o seu ventre. Fiquei assustado, mas ao mesmo tempo ansioso, por não conhecer esse mistério. Sento-me a ver o passeio do iô-iô da criança desperta ao meu lado à espera da minha vez.

 


segunda-feira, agosto 29, 2005

Kafka!



O dia ainda não acabou. Há perseguições à minha volta sobre o meu sonho de ser faísca pingada nos cabos de alta tensão.

Francisco Fernando


Este quarteto de rapazes bem comportados electrificaram os ventos da foz do Tejo ontem à noite. Foi uma viagem no tempo à geração de 70.

sexta-feira, agosto 26, 2005

Posto de Escuta Animado


Boy Lifting Dress

Helen Levitt, 1940


quinta-feira, agosto 25, 2005

Da Mimmo


Cuidado com os contrabaixos, eles estão pendurados no tecto.

terça-feira, agosto 23, 2005

Ilusões

Dunas ondulantes até ao rasgar do horizonte. Que são rasgadas pelo jipe em forma de chaimite, destemidamente conduzido por Kholm, Julie Kholm.

Julie leva o seu jipe à máxima rotação, com olhos fixos no fim do sol, passando pelos controlos portageiros dos oásis sem parar, cruzando a enigmática Marrakech até alcançar os infinitos novelos de pessoas no Museu Municipal de Havana. Pára a viatura, e sai desenfreadamente a correr, passando paralelo ao largo do novelo até chegar à porta.

“Olhe, eu queria entrar porque ela está lá dentro. Pode ser?”

E o porteiro, embasbacado mas derretido pelo olhar doce e plasmático de Julie, gesticula com ordem de entrada. O novelo de gente cose-se com rapidez para albergar os pés de Julie com botas oriundas de Budapeste.

Ela grita e ninguém responde. Corre sem orientação, distraída com as letras de poemas decalcados e entra numa sala mestra. Uma sala que expõe agrafadores de toda a história humana que é conhecida.

Ela pára e observa as várias formas. Senta-se. Apoia a cabeça na mão esquerda com o cotovelo no joelho. Imagina a sua vida reflectida no brilho metálico dos agrafadores.

Ri-se, porque lembra-se que as rugas cravadas no reflexo enaltecem a paixão de viver.

 


Ilusões

Joacke Liberto é possante na sua aventura desenfreada de se desgarrar das patas dos outros alfaiates. Mergulha, corre, quase que voa e não está cansado. As suas forças são mutantes, transgénicas, que se libertam em imagens fotográficas que se revelam na cor das costas dos seus irmãos, formando uma sequência cinematográfica de paisagens, que vistas bem lá do alto do AIRBUS 319, faz nascer Clyde Brunnetta.

Do lado esquerdo do vale, Clyde salta à corda com ratos e patos, aparecendo tigres gigantes a assistir e a aplaudir. Brunnetta sorri. Chora de alegria, pois vê Bonnie Fred ao longe, a contemplá-la.

E ela corre para Bonnie, devagar, com passos compassados e braços no ar. Bonnie não se faz de rogado e começa correr com esperança, com garra e energia, salta e continua a correr, com espasmos alegóricos, abraçando a eterna Brunnetta que não pode conter a felicidade do Tony Carreira a cantar para as fãs, beijando-a com sofreguidão, consumindo todo o lago à velocidade lunática de rompimento das terras vulcânicas, fazendo com que placas tectónicas abram grãos de areia da terra profunda.

 


sexta-feira, agosto 19, 2005

Músicas soltas


Estou a ouvir Interpol. Chegou mesmo agora.

quarta-feira, agosto 17, 2005

Instantes

Gosto de andar em Lisboa em Agosto. Poucos carros e peões, ficando as cores palatinas e vivas dos prédios só para os meus olhos.

Hoje decidi andar com destino ao Jardim do Príncipe Real. Aquele jardim transpira frescura e sombras doces que envolvem os meus sentidos.

Optei por escolher massa. Com espinafres e requeijão. Um manjar divino.

Como sempre, distraio-me com pormenores. Um pirralho louro, de olhos azuis, tropeçava na pedra da calçada à volta do gradeamento, enquanto a mãe repetia com ligeireza – “Doucemént! Doucemént!” – e ele, lá ia, endiabrado, com a fralda quase a fazer fumo.

Ainda não foi desta que terminei o livro “Amigos até ao fim”, de John Le Carré.  Estou cansado, mas já estou perto do fim.

Quando me despedi do tronco que não consigo abraçar, vi que não tinha relógio. E logo eu, que não consigo andar sem o controlo do tempo.

Secalhar, perdi o relógio nas bibliotecas.


O Teu Olhar

O teu olhar fixou-se
numa nuvem,
um ponto que aumentou imensamente
e te retém ao começo da noite
como se fosse a ameaça
de que talvez conheças a origem num passado
ácido de faces, posso
recomeçar quase tudo levantando
a pedra
final que nos esmaga;
há coisas
que não têm recomeço


in “Repercussão”, Gastão Cruz (Verso dos Versos)


Da maneira mais simples

 

É apenas o começo. Só depois dói e se lhe dá nome.
Às vezes chamam-lhe paixão.

Que pode acontecer da maneira mais simples:
umas gotas de chuva no cabelo.
Aproximas a mão, os dedos

desatam a arder inesperadamente, recuas de medo.

Aqueles cabelos,
as suas gotas de água são o começo, apenas o começo.

Antes do fim terás de pegar no fogo
e fazeres do inverno a mais ardente das estações.


in “Sulcos da Sede”, Eugénio de Andrade


terça-feira, agosto 16, 2005

Ilusões

Monte Abraão, o monte divino da rainha Filobidos.

Uma rainha graciosa e deslumbrante, sempre acompanhada dos seus dois vassalos eunucos inseparáveis, Moethe e Chandonne. Abanavam e abanavam penas mágicas, refrescando a doce Filobidos, que contemplava o seu reino repleto de festas, animadas por bobos de renome, como o Avenida de Roma, Praça de Londres e Guerra Junqueiro.

Era uma personagem vultuosa, muito perspicaz, que dialogava constantemente com a sua aia Hannah Sophia. Conversas divagadoras, cheias de entusiasmo, que faziam com que os vassalos abanassem com persistência, acabando por gerar pequenos flutes de bolhas minúsculas cheias de gás champanhe, não um champanhe qualquer, mas um champanhe fermentado nas caves desconhecidas de Paris. Um champanhe autêntico, que nascia das profundezas do Sena.

Águas profundas que desaguam num lago cheio de alfaiates. Milhares de alfaiates, levitando na água, desorientados na imensidão quilométrica a planar no vale.

Mas existe um líder. Supremo. A rir às gargalhadas.

 


quarta-feira, agosto 10, 2005

Imago 2005

Terry Gilliam


O Imago é um Festival de Cinema e Vídeo Jovem do Fundão que conta todos os anos com a participação de vários jovens realizadores que queiram aspirar no mundo do cinema.

Este ano o festival realizar-se-á de 1 a 8 de Outubro e contará com duas competições internacionais, mais de mil euros em prémios e estarão cerca de sessenta filmes em competição. Três nomes sonantes destacarão no festival: D. Quixote, Terry Gilliam e Jess Franco.
O Imago junta-se às comemorações dos 400 anos do "D. Quixote de la Mancha", de Cervantes, apresentando um programa inteiramente dedicado a diferentes abordagens à maior obra da literatura espanhola, como várias curtas e duas longas metragens: o documentário “Lost in La Mancha”, de Keith Fulton e Louis Pepe, sobre a tentativa falhada de Terry Gilliam de filmar Quixote, e “Don Quijote de Orson Welles”, também ele incompleto e mais tarde acabado pelo mítico Jess Franco.

Além disto o Imago é pioneiro ao dar a opurtunidade a 10 jovens de todo o país a participarem activamente no Festival, como jurí (Jurí Jovem) na atribuição de um prémio patrocinado pelo IPJ, e a viverem uma semana intensiva, "recheada" de surpresas, gratuitamente...uma experiência sem igual.

http://www.imagofilmfest.com


terça-feira, agosto 02, 2005

Cronicando

Assisto a um grande espectáculo que passa despercebido a olhos cansados, habituados a dias de calor, esmagados por costumes e tradições rotineiras.
Observo com a paciência de quem se atreve a pôr a primeira peça de um puzzle.

O pai, mais velho, prepara a agulha ferrugenta com o fio de lã mais grosso que existe na mochila aberta com cores quentes e noveludas.
Um trabalho que pede calma, sintonia e abstracção dos carris, do revisor, dos olhares que batem no reflexo da carruagem, das conversas de relato de fim de dia, das folhas de um jornal já lido e martirizado e das moedas avulsas que saltam pelos dedos do passageiro desesperado que se esqueceu do bilhete.

E a filha, mais nova, sorri entre dentes para o feito do pai.
O pai entrega a agulha com a linha passada para o continuar do tricotar no cartão. E ela continua a fazer pontos.

Muito precisos, sempre vigiados pelo olhar orgulhoso e atento do pai.
O fio laranja é adormecido com graciosidade no bailado da agulha.

As mãos miúdas são forma, como jeito nascido de instinto primitivo que percorre o saber de construir. O pai não mostra indiferença e distracção. Mantém-se fiel. Não se deixa perturbar com barulhos dispersos e perdidos.
Olha sereno e corajoso, dando força ao diálogo em silêncio. Um diálogo genuíno.


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